Não há dúvida de que a hiperconectividade alterou a maneira de criar, de educar, de crescer e de ser no mundo. Mas como exatamente ela impacta o comportamento humano ainda é uma pergunta em aberto. Nas últimas duas décadas, diversos livros abordaram a questão, com foco nos efeitos danosos do excesso de telas nos mais novos. Porém, nenhum teve tanta repercussão como “The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood is Causing an Epidemic of Mental Illness”, do psicólogo Jonathan Haidt, da NYU. Na obra, Haidt afirma, a partir de uma extensa base de dados, que os celulares e as redes sociais estão promovendo mudanças estruturais na infância e são a causa do tsunami de sofrimento que atinge a juventude atual.
Os números apresentados no livro são chocantes. As taxas de depressão e ansiedade entre jovens americanos quase dobraram entre 2010 e 2019. Os índices de suicídio aumentaram 48% na faixa etária de 10 a 19 anos, saltando 131% para meninas de 10 a 14 anos nesse intervalo de tempo. Uma situação similar ocorreu em boa parte dos países ocidentais no mesmo período, que coincide com a popularização dos smartphones, das selfies e com a criação e expansão do Instagram e do TikTok. Para Haidt, há uma relação de causalidade entre esses eventos e o fato de a geração Z (nascidos entre 1995 e 2012) ser a mais ansiosa da história.
“As telas afastam as crianças de atividades imprescindíveis para o seu desenvolvimento saudável, como brincadeiras ao ar livre, amigos reais e sono, e as aprisionam num mundo digital que mina a autoestima e energia.”
Best-seller desde que chegou às livrarias, há três meses, a obra não só fez do tema um dos assuntos do momento na imprensa mundial, como impeliu políticos e legisladores a tomarem atitudes mais drásticas para coibir o uso de telas por menores, em linha com as soluções propostas por Haidt no livro: nada de celulares na escola antes dos 14 anos e nada de redes sociais antes dos 16 anos.
No final de março, a Flórida aprovou uma lei que proíbe terminantemente menores de 14 anos de acessarem redes sociais. Para quem tem entre 14 e 16 anos, será necessário o consentimento explícito dos pais, com rígida fiscalização para evitar fraudes. Desde abril, o Arkansas avalia a adotar a medida. No Brasil, o uso de celulares em escolas foi recentemente proibido na cidade do Rio, em todo no Rio Grande do Norte e está em discussão em São Paulo.
Apesar de “A Geração Ansiosa”, que chega mês que vem ao Brasil, ser uma leitura essencial e urgente, não há consenso entre de que existe uma relação de causalidade entre o excesso de tecnologia e a falência emocional dos jovens. Embora o aumento do tempo de tela e das redes sociais contribuam muito para o problema, afirmar que todo o envolvimento digital é prejudicial e que essa é única causa para as aflições de toda uma geração é simplificar uma questão cheia de tons e nuances. Afinal, não existe uma história comum a todos e é um erro colocar as experiências de cada jovem em um só molde.
Salvo raríssimas exceções, o que se evidencia na juventude atual é o desalento, uma desilusão colossal inerente a uma geração que se sente abandonada pelo próprio mundo. Não à toa, para muitos desses jovens, faz mais sentido viver em um universo inventado. Isso explica a voracidade dos mais novos pelo digital. De 2014 a 2023, o tempo que as crianças que estão online dobrou, passou de três horas e meia para sete ou mais horas por dia. Obviamente, eles estão fugindo de alguma coisa, mas exatamente o que não querem encarar é que deveria ser a pergunta a ser feita.
A verdade é que a juventude, apesar de muito glamourizada, sempre foi uma fase complicada de se atravessar, com uma série de dilemas relativos ao amadurecimento e à definição da própria identidade. O nó que leva à vida adulta ficou mais intrincado e difícil de desatar num mundo em que as oportunidades são raras, o futuro é obscuro e, muitas vezes, não se tem nem a família para servir de apoio, alicerce.
Autor de “Educando os filhos na era digital”, o psicoterapeuta Leo Fraiman, ele mesmo um fenômeno das redes sociais em sua área de atuação, com quase 2 milhões de seguidores no Instagram, afirma que em muitas casas brasileiras vêm se normalizando a convivência solitária: as pessoas vivem juntas, mas não interagem, estão em seu mundo particular, cada qual com o seu “device”. Como ele diz em um “reels”, se o clima é ruim, se só tem briga, não tem diálogo, se os filhos acham que os pais não se importam, os adolescentes vão mergulhar no smartphone ou no game. Para ele, as telas não serão as vilãs se todos nós as utilizarmos de forma sensata e equilibrada.
Em “A Geração Ansiosa”, Haidt parte para o tudo ou nada em seu livro, induzindo os leitores a se posicionarem em campos binários: a favor de banir e proibir as telas ou contra. Nossa sociedade é muito eficiente para criar polarizações, mas não temos que evoluir para posições extremas, nem apelar para medidas super-radicais. Até porque não dá para impor aos jovens de hoje que experimentem a mesma infância analógica que vivenciamos três décadas atrás. Isso seria negar que a tecnologia adentrou as nossas vidas e que já faz parte da própria realidade, principalmente no caso dos nativos digitais, que já nasceram em um ambiente “phigital”, em que a distinção entre o físico e o virtual praticamente inexiste.
O mais viável seria buscar soluções sem utilizar um olhar do passado, como temos feito até agora, e sim com o olhar do presente. Em termos de política pública, por exemplo, a Finlândia concebeu o seu novo currículo para preparar as crianças, desde a pré-escola, a lidar com a desinformação e a má informação, integrando a tecnologia para ajudá-las a desenvolver o discernimento, as competências e a agilidade mental.
Hoje em dia é muito comum os pais superprotegerem seus filhos no mundo real, mas minimizarem os riscos do mundo virtual. Tudo o que houver de informação e orientação a respeito disso deve ser discutido e respeitado para que possamos ter uma geração de crianças emocionalmente saudáveis para habitar e construir conjuntamente o futuro.
Fonte: Valor
Por: Ana Maria Diniz