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Antecipar pagamento de heranças vira negócio para gestoras

Buriti planeja captar R$ 200 milhões em fundo para dar liquidez a espólios

Chiarottino (esq.) e Varejão: falta de liquidez é um dos principais problemas em processos de sucessão mais complexos — Foto: Rogerio Vieira/Valor

Uma tese nova no Brasil tem chamado a atenção de vários setores sobre heranças, sobretudo o de gestão de recursos. Crescem as tentativas de resolver uma questão comum entre herdeiros de grandes espólios, com inventários que muitas vezes ficam travados e se arrastam durante anos por falta de liquidez ou por eventuais litígios entre os sucessores.

Nesse contexto, a Buriti Investimentos, gestora fundada no fim de 2022 pelos ex- Singulare (antiga Socopa) Marcelo Varejão, Sabrina Molina e Nicolas Takeo, começou a modelar em parceria com o Chiarottino e Nicoletti Advogados um fundo dedicado a direitos hereditários. O plano é captar cerca de R$ 200 milhões num primeiro veículo para antecipar a liquidez de espólios já mapeados pelo escritório, que em seu conjunto reúnem bens da ordem de R$ 2,5 bilhões.

Casas especializadas em crédito estruturado, caso da Root Capital e da Jive Investments, também têm na compra de ativos em espólio um componente importante para seus fundos de ativos estressados, de situações especiais ou de litígio. Mas ainda não havia no Brasil um portfólio dedicado ao tema.

“Até que os ativos sejam transformados em bens, especialmente imóveis em fundos imobiliários ou em FIP [de participações em empresas], trataríamos os direitos hereditários como creditórios”, diz o advogado Leandro Chiarottino, referindo-se à estrutura que pretende usar com a Buriti, de um fundo de recebíveis (FIDC). Especializado em planejamento de riquezas, ele afirma que a ideia surgiu de interações com gestoras estrangeiras que se dedicam a resolver questões associadas a direitos sucessórios de famílias ultrarricas.

Em países desenvolvidos, onde o imposto sobre heranças é bastante salgado – na França chega a 50% do espólio, e em alguns estados nos EUA, a 70% -, esse tipo de estrutura se tornou conhecida nos círculos jurídico e de gestão patrimonial. “É onde falta dinheiro que uma injeção de capital traz os maiores resultados práticos para os investidores”, diz Chiarottino.

Quem investe, dedica tempo e recurso financeiro para superar o litígio, assume o risco por alguém”

— Mateus Tessler

O retorno esperado num fundo desses seria comparável ao de um portfólio de litígios (“legal claims”), com meta de IPCA mais 25,3%. Em transações relativamente curtas, em que há disposição dos herdeiros para um acordo, a rentabilidade almejada fica acima dos 30% por se tratar de um investimento de alto risco, segundo Mateus Tessler Rocha, sócio da Jive. “Geralmente, quando uma das partes está fazendo a venda é porque precisa de liquidez. Quem entra num investimento desses precisa dedicar tempo e recursos financeiros para conseguir superar aquele litígio, está assumindo o risco do processo por alguém.”

Como todo mundo morre, ele estima que este mercado seja muito maior do que o de precatórios, que origina cerca de R$ 50 bilhões em ativos anualmente, com R$ 5 bilhões efetivamente transacionados via mercado. “Nas varas de famílias e sucessões, o que tem de potencial de direitos hereditários que podem ser negociados é uma infinidade. Se tiver um pouco de conhecimento e base de dados sobre os processos, que patrimônio envolvem, é um segmento que pode ser bastante explorado”, diz o executivo da Jive.

Nos últimos dois meses, a gestora recebeu em seu site seis ofertas de pessoas que queriam fazer operações para vender seus quinhões hereditários, conta Tessler. Hoje, está trabalhando em três casos. A asset chegou a olhar para o inventário da Casas Pernambucanas, mas acabou não fazendo por se tratar de um “litígio visceral” com briga entre as partes, diz o executivo. Avaliou também o do Almirante Ivan Botelho, em que o irmão do controlador da Energisa, Ricardo Botelho, tinha direito a um pedaço de ações de forma indireta. Mas as grandes causas não são as mais frequentes, diz. “A gente gosta de dar atenção para aqueles inventários em que o dinheiro acaba resolvendo o problema das partes.”

O que há com certa recorrência, descreve, são inventários em que há herdeiros maiores, mas em que o processo segue tramitando de forma litigiosa no Judiciário. Em geral, envolvem participações fragmentadas em imóveis. “Alguém que tenha direito a 20% de um ativo enorme, na prática isso não dá direito a muita coisa, mas para quem compra e queira empreender é um bom negócio”, exemplifica o sócio da Jive.

Normalmente, as transações saem em situações em que o patriarca ou a matriarca tem um patrimônio vasto, mas baixa liquidez, inclusive para pagar o Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD). Em São Paulo, a alíquota é de 4%; há Estados com 6% e alguns estudam chegar ao limite constitucional de 8%. E não adianta querer mudar para a Flórida, nos EUA, onde a taxação é de 40%. “O princípio da lei é que o herdeiro não vira herdeiro porque boa parte vai virar imposto, a pessoa tem que trabalhar para fazer o próprio patrimônio. O mercado dos EUA [de direitos hereditários] é maior porque tem fator regulatório que faz com que as transações ocorram com mais frequência.”

Muitas heranças têm créditos judiciais, precatórios, disputas entre integrantes da família, há várias situações em que uma gestora de crédito especializada em situações especiais pode ajudar, diz Rafael Fritsch, sócio-fundador da Root Capital. “Tem espólio que tem dívidas, imposto a pagar. Quem paga, o filho, o irmão que está brigado? A gente pode prover a liquidez para honrar os compromissos comprando alguns dos ativos.”

Ele cita que quebrar um precatório de R$ 100 milhões entre cinco herdeiros e homologar isso na Justiça, por exemplo, é mais complicado do que vender o ativo e dividir o dinheiro. Com os recursos antecipados, alguns inventários podem ser encerrados mais rapidamente.

O cuidado na gestão é avaliar não só o crédito que o fundo está adquirindo, mas também fazer diligência do perfil do vendedor. “Tem que fazer bem feito, estudar bem a cadeia, as dívidas existentes no inventário e possíveis questionamentos para não ter risco de fraude e não esvaziar o patrimônio e deixar só dívida”, diz Fritsch. Tipicamente, ativos com valor acima de R$ 10 milhões entram no radar.

Varejão, da Buritti, diz que quando encampou a ideia do Chiarottino e Nicoletti Advogado para um fundo dedicado, começou a estudar uma estrutura debaixo da antiga instrução 356 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas que deve registrar de fato sob a nova regulação de fundos, a 175. “A falta de liquidez é um dos principais problemas na sucessão. As pessoas precisam primeiro pagar o imposto para depois usufruir dos bens, há desavenças de membros da família. O fundo pode ajudar um pouco na operação e não é algo pontual, é possível replicar para diversas famílias.”

Pela experiência internacional, esse é um produto que não começa pequeno, porque as situações mais atraentes envolvem grandes valores, diz Chiarottino. Ele acrescenta haver dois clientes investidores interessados nesse tipo de ativo. O veículo pode acomodar um volume menor no início, com captações subsequentes a partir da identificação de casos para investir.

“Não só a gestora, mas o próprio escritório patrocina os processos de inventário”, diz Varejão. “Uma vez a tese se mostre eficiente para resolver os problemas, o mercado deve ser muito maior do que se identifica hoje.” O gestor diz que espólios com valor superior a R$ 250 milhões estariam alvo. A compra de ativos pode ser parcial, dos direitos de dois ou três herdeiros simultaneamente, não precisa envolver o todo.

Como no Brasil o número de empresas familiares é grande, é comum haver espólios com problemas de liquidez, diz Chiarottino. Companhias centenárias acabam sendo controladas por inventariantes profissionais e essa também é uma oportunidade de mercado, diz Tessler, da Jive. “Quando os familiares estão brigando pelo controle, a sucessão se dá dentro do processo judicial.” Ele cita o Grupo Odilon Santos (GO), a Cimento Nassau (SP) e a Usinas Salgado (PE) como casos conhecidos de inventários complexos.

A viabilidade econômica dos processos interessa também ao Judiciário e aos cofres públicos, diz Chiarottino, já que o ITCMD é uma fonte de receita para as secretarias da Fazenda de Estados e do Distrito Federal. Possíveis aumentos nas alíquotas, um risco potencial para herdeiros, pode ser um fator de aceleração para um fundo do gênero. “Essa é uma discussão em efervescência, com a necessidade dos Estados de arrecadar mais e está na ordem do dia.”

Fonte: Valor
Por: Adriana Cotias

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