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Empresas endividadas captam R$ 16,6bi na B3 para melhorar balanço

Quase 60% das ofertas de ações em 2023 foram de companhias que usaram todo ou parte do dinheiro na redução de alavancagem

Bassan: Neste ano, ofertas devem começar a ter mais empresas em busca de capital para crescimento — Foto: Nilani
Goettems/Valor

Ofertas de ações de empresas endividadas, que buscaram no mercado de capitais recursos para ajustar o balanço, foram tônica em 2023. Das 21 operações precificadas ao longo do ano passado na B3, 12 delas, ou seja, 57% do total, utilizaram parte ou a totalidade dos recursos para desalavancagem, segundo dados da Dealogic cruzados com informações que constam nos documentos das operações.

A mesma dinâmica se observa no volume financeiro. Transações com esse perfil somaram cerca de R$ 16,6 bilhões, de um total de ofertas subsequentes (“follow-ons”) de R$ 30 bilhões realizadas em 2023.

Há casos de operações que avançaram com apoio dos principais sócios na garantia dos recursos, o ajudou a melhorar a percepção de confiança nesses ativos. Foram os casos das ofertas da BRF e da CVC. Em outras ofertas, no entanto, a incerteza sobre os resultados dos negócios e sobre a estrutura de capital das companhias ainda pesam negativamente nas ações. A oferta da Casas Bahia, apesar do fôlego extra que trouxe à varejista, teve essa conotação, gerando um movimento financeiro inicialmente abaixo do esperado, segundo gestores.

Na visão de executivos e gestoras, nesse cenário de investidores ainda cautelosos, cada oferta é muito particular, seja pelas condições das empresas emissoras (como setor de atuação, plano de crescimento após a emissão), seja pela própria estrutura da operação (incluindo ancoragem e hipótese de emissão de bônus de subscrição, por exemplo).

“Há muitos fatores a se ponderar em cada operação porque cada caso é um caso, mas está claro que, em geral, há uma correlação entre alta dos juros, queda de liquidez no mercado e dívida mais cara”, afirma Fabio Bortolotti, diretor vice-presidente de finanças da Infracommerce, companhia da área de serviços ao comércio eletrônico. A empresa lançou em dezembro uma oferta que atingiu R$ 400 milhões.

“O ideal, em ambientes como esses, é trazer segurança ao mercado de que o ‘deal’ [operação] vai ocorrer e de que os recursos serão suficientes para o objetivo. Porque se você faz e não levanta o capital de que precisa, a percepção que fica é que pode ter nova oferta, o que cria um ambiente ruim”, afirma o executivo.

“Em geral, há uma correlação entre alta dos juros, queda de liquidez no mercado e dívida mais cara” 

— Fabio Bortolotti

A maior oferta do ano teve como motivação redução de endividamento. O “follow-on” da companhia de alimentos BRF girou R$ 5,4 bilhões e garantiu a entrada do fundo árabe Salic ao seu capital e o aumento da posição da Marfrig, de Marcos Molina, gerando um cenário mais positivo. Esperava-se inicialmente que a captação fosse de R$ 4,5 bilhões, mas houve demanda 20% acima do previsto. A operação foi finalizada em julho, e o balanço do terceiro trimestre já mostrou um endividamento líquido de R$ 10,3 bilhões, com redução de R$ 4,9 bilhões em relação ao fechamento do trimestre anterior.

Com isso, a alavancagem da BRF, medida pela razão entre dívida líquida e Ebitda ajustado dos 12 meses anteriores, atingiu 2,66 vezes de julho a setembro versus 3,75 de abril a junho. O Ebitda mede lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação.

“A maioria das ofertas foi para pagamento de dívida e não crescimento. Neste ano, isso pode começar a mudar, com mais empresas buscando recursos para crescer”, afirma o presidente do banco de investimento do UBS BB, Daniel Bassan.

Segundo fontes de mercado, as primeiras operações deste ano devem seguir o mesmo conceito de buscar equilíbrio na estrutura de capital. É o caso do GPA, que ainda precisa aprovar uma mudança em seu estatuto, em assembleia geral extraordinária marcada para o dia 11, para abrir espaço em seu capital social para uma oferta de ações.

É estimado pelo grupo que a transação alcance cerca de R$ 1 bilhão – o que implicará uma diluição aos acionistas de 50%, se a operação de fato alcançar esse valor.

A oferta, segundo fontes a par do tema, está prevista para ocorrer em janeiro. Ao fim de setembro, a relação entre dívida e Ebitda ajustado (após arrendamento) na varejista estava em 5,9 vezes. O índice considerado saudável para o setor está abaixo de 2,5 vezes. A oferta da Infracommerce, que encerrou a temporada de emissões de 2023, também teve essa característica de diluição de parcela dos atuais sócios. A ação saiu a R$ 1,60 (com captação de R$ 400 milhões), 90% menor que a cotação na abertura de capital, em 2021. O preço ficou dentro do limite que acionistas os Compass Group e Pátria definiram para poder participar da operação.

Para Bortolotti, diretor da empresa, a ideia era não estender essa operação para 2024 – os recursos foram usados para balancear a estrutura de capital e pagar aquisições já concluídas. “Queríamos concluir isso em 2023 para conseguirmos focar 100% na operação no ano que vem.”

O levantamento da Dealogic inclui a oferta do Assaí, a primeira do ano, movimentando R$ 4,064 bilhões, em uma operação integralmente secundária (capital para o bolso de sócios). Apesar do peso maior da dívida no resultado operacional da atacadista, questão que continua no radar do mercado, a transação não teve essa motivação, mas ocorreu porque seu ex-acionista, o grupo Casino, estava alavancado e precisou vender ações após negociações com credores da França.

De qualquer forma, analistas mantem a atenção na gestão da dívida na rede, que publicou ao mercado um plano de investimentos mais conservador para 2024. A relação dívida/Ebitda em setembro, dado mais recente disponível, estava em 2,71 vezes, versus 2,62 vezes um ano antes. “O aumento da alavancagem é um fator de risco. O CEO Belmiro Gomes indicou [em reunião com investidores em novembro] que poderiam ocorrer aberturas com uma menor alavancagem [para 2024]”, disse em recente relatório João Pedro Soares, analista do Citi.

O responsável pela área de renda variável do Goldman Sachs, Fabio Federici lembra que em 2023 o percentual de ofertas para ajuste de balanço foi dobro do visto em 2022, ano em que a tônica das operações de “follow-on” ainda estava mais concentrada em operações de fusões e aquisições (M&A). “A gente teve uma alta muito grande de juros e isso pesou para as empresas”, diz.

Ricardo Bellissi, corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil, afirma ainda que, no ano, houve uma correção muito forte no preço das ações das empresas listadas, o que fez com que muitas companhias sem necessidade urgente de recursos tirassem a possibilidade da operação da mesa.

No começo do ano passado, as primeiras ofertas de ações, que ocorreram em um momento de muita volatilidade, tinham como objetivo o ajuste do balanço, tal como as ofertas bilionárias das operadoras de saúde Hapvida e Dasa, que tiveram que contar com aporte de seus fundadores, que acompanharam as transações para não serem diluídos.

Outras operações de companhias endividadas tinham por trás a necessidade de capital para fazer frente a um acordo prévio com os credores para o alongamento da dívida – o que exigia a realização de uma oferta de ações para ajudar a irrigar o caixa. Esses foram os casos de CVC e Casas Bahia.

No último caso, a diluição na rede foi brutal e a varejista teve até mesmo dificuldade para encontrar demanda no mercado. Segundo o Valor apurou, parte relevante da demanda veio de investidores que estavam vendidos nos papéis e aproveitaram o desconto no preço da oferta para recomprá-los.

O responsável pela área de mercado de capitais do Santander, Pedro Leite, destaca uma concentração em ofertas do setor de consumo e varejo que tiveram esse perfil de redução de alavancagem financeira.

“Veremos outras operações assim no primeiro trimestre, principalmente, mas teremos ofertas para crescimento”, afirma o executivo. Leite acrescenta que, ao longo do ano passado, as ações de ofertas com perfil de crescimento tiveram um bom desempenho após a transação.

Dentre as operações realizadas com esse perfil são exemplos a Localiza e a MRV, cujas ações se valorizaram 25% e 47,5% no acumulado de 2023, respectivamente. Procuradas pelo Valor, as empresas Assaí, BRF, Casas Bahia, CVC, Dasa, GPA, Hapvida e Localiza preferiram não adicionar nada além do já comunicado ao mercado. A MRV informou que o objetivo da sua oferta era a desalavancagem, como informado no material de resultados.

Fonte: Valor
Por: Fernanda Guimarães e Adriana Mattos

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