No dia 11 de setembro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que representa um avanço significativo para o mercado de Venture Capital no Brasil. Ao julgar o Recurso Especial 2.069.644/SP, o STJ definiu que os Planos de Opção de Compra de Ações, conhecidos como Stock Option Plans (SOPs), possuem natureza mercantil e, por isso, se submetem a uma tributação mais vantajosa em relação àquela aplicável a rendimentos salariais.
A decisão foi tomada por uma ampla maioria, com sete votos favoráveis e apenas um contrário, consolidando-se no Tema Repetitivo n. 1.226. Com isso, o entendimento se torna obrigatório para casos similares, conferindo segurança jurídica para empresas e executivos que adotam esse mecanismo.
O cerne da discussão era resolver uma dúvida que atormentava o setor de Venture Capital há anos: os SOPs deveriam ser tributados como rendimentos vinculados a contratos de trabalho, ou seriam caracterizados como operações comerciais independentes? Caso os SOPs fossem tratados como remuneração, a tributação ocorreria no momento do exercício da opção, e as alíquotas progressivas do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) variariam de 7,5% a 27,5%.
Por outro lado, se tivessem natureza mercantil, a incidência do IRPF seria postergada até o momento da venda das ações adquiridas, aplicando-se uma alíquota progressiva para ganhos de capital, que vai de 15% a 22,5%.
A decisão possui relevância especial para o setor de venture capital, pois o SOP é uma ferramenta essencial na estratégia de captação e retenção de talentos para startups. Com recursos financeiros limitados e uma perspectiva de operação deficitária durante anos, as startups têm no SOP uma das poucas alternativas viáveis para atrair profissionais de alto nível.
Esse mecanismo permite que fundadores ofereçam aos colaboradores a possibilidade de adquirir ações da empresa, apostando na valorização futura desses papéis em vez de pagar salários elevados. Em outras palavras, o SOP é o que possibilita que startups compitam por talentos com grandes empresas, que usualmente conseguem oferecer compensações financeiras muito mais atrativas.
A possibilidade de que o SOP fosse considerado como parte da remuneração era uma perspectiva desfavorável para startups. Se assim fosse, o beneficiário do SOP precisaria pagar o IRPF no momento em que exercesse o direito de adquirir as ações, sem que houvesse um ganho financeiro materializado para cobrir o custo tributário. Esse ganho, na realidade, apenas se concretiza no futuro, no momento em que o beneficiário decide vender suas ações.
Além disso, a natureza remuneratória levaria muitos beneficiários de SOPs a pagar a alíquota máxima de 27,5%, uma vez que a maioria desses profissionais altamente qualificados têm rendimentos mensais que superam o teto da tabela progressiva do IRPF para salários.
Dada a decisão do STJ, o mercado de Venture Capital foi amplamente beneficiado. Ainda assim, é preciso cautela na elaboração dos SOPs. O voto do Ministro Sérgio Kukina, que fundamentou o posicionamento majoritário, baseou-se no entendimento de que os SOPs têm natureza mercantil por envolverem um pagamento efetivo por parte do beneficiário para adquirir as ações. Contudo, em seu voto, o ministro não analisou o cenário em que o preço de aquisição das ações seja meramente simbólico.
É comum, em startups, que os beneficiários dos SOPs não tenham recursos disponíveis para pagar um valor significativo ao exercer suas opções, especialmente dado o contexto dessas empresas, que muitas vezes incentivam a renúncia a benefícios de curto prazo em troca de um ganho futuro. Consequentemente, muitos SOPs são estruturados com um preço de exercício bastante reduzido, que pode ser meramente simbólico, como um real por ação.
Mesmo diante da decisão favorável, startups devem atentar para uma estruturação cuidadosa dos SOPs. Recomenda-se que o preço de exercício das ações tenha valor material, preferencialmente refletindo o valuation atual da empresa, ainda que com algum desconto. Além disso, é ideal que o SOP permita que o beneficiário exerça sua opção durante um período mais longo, até a iminência de uma venda ou oferta pública de ações (IPO), evitando que o colaborador precise se comprometer financeiramente sem ter um ganho tangível para cobrir o valor de aquisição.
Essa decisão do STJ é uma conquista a ser comemorada. Ela fortalece o ambiente de inovação no Brasil, consolidando um entendimento que reconhece a importância do SOP como um mecanismo essencial para o desenvolvimento das startups e para o ecossistema de Venture Capital como um todo. A observância obrigatória da decisão em uma das cortes mais altas do país traz previsibilidade e estabilidade jurídica, que são indispensáveis para qualquer ambiente de negócios saudável. Com os cuidados adequados na elaboração do SOP, startups em todo o Brasil poderão usufruir plenamente deste precedente, promovendo a atração e retenção de talentos fundamentais para o sucesso e crescimento de seus negócios.
*Marcus Valverde é sócio do MVSA Advogados, escritório especializado em venture capital. Formado em Direito pela PUC-Rio com mestrado pela Harvard Law School
Fonte: Pipeline
Por: Marcus Valverde