Se por um lado o cenário econômico difícil, com altas taxas de juros, tem gerado endividamento da Pessoa Física, patamares elevados de inadimplência de empresas (especialmente as pequenas e micro) e de Recuperações Judiciais de produtores rurais, e tornado a vida de empresários mais complicada, por outro, players do mercado que atuam com distressed assets, os ativos estressados, estão surfando uma boa onda diante de amplas opções para colocar no portfólio. A perspectiva é que o cenário siga desafiador para a economia, mas positivo para os “fundos abutres”, que devem aproveitar as oportunidades de alocação.
A inadimplência, que pressiona o crédito e afeta diretamente o faturamento das empresas, atingiu níveis recordes. Em maio, o Brasil atingiu 77,1 milhões de consumidores inadimplentes e 7,7 milhões de CNJPs negativados. Já os pedidos de Recuperação Judicial no agronegócio brasileiro alcançaram 389 solicitações no primeiro trimestre deste ano, com aumentos de 21,5% em comparação com o trimestre anterior, segundo dados do Serasa Experian.
Hoje, o Brasil apresenta a segunda maior taxa de juros real do mundo, com uma Selic em patamares dispares, não vistos há mais de uma década no país, e com isso, uma alta da inadimplência. Nesses momentos de crise, os fundos distressed, também conhecidos como fundos abutres, acabam se sobressaindo.
Entenda as mudanças e esteja alinhado às novas exigências do mercado no curso “Resolução 160”
“O que chamamos de NPL (créditos corporativos inadimplidos), de recuperação judicial e falência, tem um recorde agora. Esse cenário macro é muito importante. No micro, há uma grande dependência da sociedade empresária de financiamento, com a alta de inadimplência e com o inflamento dos PDDs dos bancos, acaba gerando oportunidade para boutiques distressed como a nossa, e para fundos abutres acabarem atuando de forma bem contumaz nessa crise”, diz Matheus Matos, sócio e diretor Jurídico da MA7 negócios, citando ainda oportunidades nos casos de legal claim e de litigation finance, visto que os credores na “briga judicial” querem dar fim ao imbróglio. “Ele precisa, de fato, de uma viabilidade econômica, e o único ativo que, naquele momento, ele detém, é sua ação judicial. Ele precisa monetizar isso.”
Matos cita ainda o recorde de PDD (Provisão para Devedores Duvidosos) em bancos como o Banco do Brasil. O executivo aponta que muitos deles estão com recordes desse provisionamento de devedor duvidoso. “O banco precisa vender esses créditos, e os fundos de distressed acabam comprando isso. O banco precisando desovar, você consegue ter um bom deságio na compra desses créditos”, diz. Para ele, inclusive, a última década foi a janela de maior oportunidade para distresse assets no país, boa onda que a casa tem aproveitado.
Para a Iox, gestora que atua com distressed assets, estão surgindo oportunidades de ativos para incluir no portfólio “toda hora”, especialmente do agro. “Tem empresa pequena, mas essas, são poucos os fundos NPL que olham. Como está aparecendo muita coisa grande também, geralmente damos mais atenção para o grande. Mas, este ano, estou surpreso. Praticamente não estou dando conta de tanta oportunidade”, conta Richard Ionescu, CEO do Grupo IOX. A casa, inclusive, acredita que, até começo de 2026, deve conseguir dobrar de tamanho seu fundo NPL, hoje de R$ 100 milhões.
Na Strategi, os executivos notaram, especialmente no começo do primeiro trimestre, cenário que se verificou também no segundo, um aumento grande de pedidos de recuperação judicial, principalmente de produtores rurais ligados a soja, café e gado. No entanto, como o portfólio da casa é diverso, não há hiper exposição a nenhum desses cenários.
“Há uma procura muito grande, tanto em soja quanto gado, mas esses setores respondem de formas um pouco diferentes, porque enquanto o do gado é, normalmente, asset-light, não tem grandes fazendas, normalmente arrendadas, tornando a operação muito mais complexa [no sentido de garantias a serem fornecidas], é necessário estudar de forma muito mais aprofundada a situação antes de fazer qualquer tipo de investimento. O mercado, por exemplo, dos produtores de soja já traz uma flexibilidade maior”, conta André Vasconcellos, sócio da Strategi.
Não há preferências por setores em nenhuma das casas, mas há quem se destaque devido ao momento. Na MA7, dentro da recuperação judicial, o DIP Financing e o Exit Financing, para o produtor rural, especialmente, mas também para recuperandas e sociedades e empresárias, além de NPLs, créditos inadimplidos de banco, são os maiores setores visto a sua oferta. A Iox também tem atuado com NPLs, compra precatórios, dívida trabalhista em falências e recuperações judiciais, e inventários que “estão meio enrolados”.
Embora o cenário seja de muitas opções para colocar na carteira, não significa que todas as oportunidades de alocação sejam boas para os fundos. Aqueles que navegam pelo cenário de ativos estressados alocam com alguma cautela.
“Temos priorizado o que é retorno rápido, ou algo que vamos demorar a receber, mas comprando muito barato e sabendo que vamos receber”, aponta Ionescu. “E a rentabilidade do fundo está boa. Geralmente, compramos alguns ativos e eles acabam demorando um pouco para rentabilizar, mas a cota está rendendo aproximadamente 40%, 50% ao ano e sem alavancagem. Esse é dinheiro proprietário, então, quando o fundo é alavancado, rende muito mais.”
Para a Strategi, a tática é priorizar empresas nas quais conseguem enxergar capacidade de repagamento. “Somos muito bons no litígio. Parte do que talvez seja necessário no segmento, e sempre levamos isso em consideração para colocar dinheiro, principalmente nessas operações estruturadas, é que a empresa tenha, de fato, um plano de recuperação. Mas aqui, a casa é meio agnóstica a setor”, conta Vasconcellos.
Quanto à rentabilidade, o principal fundo da casa fundada por Cristian Lara, focado na recuperação de créditos inadimplidos, está indo muito bem, segundo Vasconcellos, mas devido aos ciclos de recuperação de crédito, que são um pouco mais longos, provavelmente os resultados do atual momento devem começar a aparecer de dois a três anos para frente. “O que estamos tentando fazer para nos posicionar no ciclo que está começando agora é analisar, com o máximo de critério possível, não somente o crédito colocado à venda, que a gente compra, mas todo o cenário de endividamento da empresa”, conta Vasconcellos.
Ainda que os frutos sejam colhidos a um prazo mais longo, o otimismo com distressed é unânime. Para os executivos, inclusive, o ano ainda guarda mais oportunidades de alocação, resultado de um cenário econômico ainda difícil mesmo diante das perspectivas de queda dos juros.
O CEO da Iox vê este ano e o próximo como “maravilhosos” para NPL. Ele cita, inclusive, que o cenário está bem complexo, até mesmo para os bancos, favorecendo fundos distressed da tese.
“Para bons players nunca faltarão oportunidades. Para maus players terão oportunidades, mas esses não conseguirão navegar. Além disso, mesmo com uma baixa de taxa de juros, as oportunidades continuarão a surgir, porque ela não abaixará do dia para a noite. Vai continuar nesses patamares de dois dígitos”, opina Matos, da MA7.
Na Strategi, a visão é similar. Inclusive, com as tarifas de Trump em perspectiva, especialmente para setores como café, suco e gado, que devem ser muito afetados, Vasconcellos acredita ser, possivelmente, um bom cenário para trabalhar na compra de ativos. “Para esses próximos meses, enxergamos com bastante cautela a capacidade de recuperação [das empresas]. Conseguimos enxergar bastante oportunidade de compra, mas dentro desse contexto de levar em consideração não somente o crédito em si, mas também o problema geral do devedor”, diz.
Fonte: CAPITAL ABERTO
Por: Amanda Meneses