Com o crédito mais escasso, pequenas e médias incorporadoras estão em busca de solução de capital junto a gestoras especializadas em investimento alternativo como forma de conseguirem fôlego financeiro para concluírem obras. Uma das razões tem sido o maior aperto da torneira de crédito pelos bancos, diante de uma queda de captação da poupança e aumento da aversão ao risco, em um cenário de juros ainda altos no país.
Com esse pano de fundo, gestoras especializadas em capital de transição, também chamadas de “special sits”, têm se debruçado no setor. A escassez de capital entre muitas incorporadoras também tem levado empresas a atuarem nesse vácuo, assumindo construções paradas por falta de recursos.
Empresas tradicionais, como a Construtora São José, que atua no segmento de alto padrão, têm batido na porta dessas gestoras, apurou o Valor. Outro exemplo é o grupo João Fortes, que entrou em recuperação judicial, conseguiu empréstimo DIP (que tem prioridade de recebimento) pela gestora Vinci SPS, de quase R$ 170 milhões. A Ekko é outra construtora que tem batido na porta de fundos, disseram fontes.
Um dos modelos feitos na Arc Capital, por exemplo, tem sido por meio de instrumento de dívida a essas empresas, com apartamentos dados em garantia. Com isso, incorporadoras são irrigadas com dinheiro novo e ganham fôlego para entregar o empreendimento. Segundo o sócio da gestora, Sérgio Machado, um cálculo que costuma ser feito é o valor estimado da venda do estoque de imóveis de um determinado empreendimento – e se há uma gordura a ser queimada em relação ao capital emprestado. Se a folga for pequena, o risco se torna mais alto e a chance de negócio se dissipa.
Ao se colocar os apartamentos como garantia, se afasta da tese da essenciabilidade do bem, ou seja, de que o ativo é essencial para a atividade da empresa. Se a garantia for um terreno, por exemplo, o judiciário poderia em um eventual pedido de recuperação judicial recusar a execução.
A demanda de incorporadoras por recursos tem sido elevada, segundo Machado, mas muito empreendimento acaba não passando pelo crivo da casa. “Chega muita coisa, mas com o vento contra é mais difícil arrumar as coisas”, explica. Machado aponta que a maior procura tem sido por empresas pequenas e médias e que já chegaram à mesa, inclusive, empresas de capital aberto.
Na Strategi Capital, o setor também tem sido olhado com uma lupa e a visão é de que há boas oportunidades. O problema dessas empresas, segundo o sócio da gestora, Cristian Lara, cresceu no momento pós-pandemia, quando os bancos deixaram de lado a maior flexibilidade com os vencimentos e os custos das obras subiram, especialmente por conta da inflação da matéria-prima. Somado a isso, o juro alto por um tempo prolongado tem ajudado a estrangular as empresas e tem prejudicado a venda de imóveis.
“Não só os bancos fecharam a torneira, o custo da obra aumentou e muito projeto hoje tem problema. O dinheiro acabou sendo utilizado na própria obra e muitas incorporadoras acabaram operando muito alavancadas”, diz Lara.
Uma das atuações da Strategi tem sido por meio da compra de imóveis distratados, o que pode dar um alívio de caixa à incorporadora. Em outros casos, a alternativa é se tornar sócio do empreendimento.
Os modelos de suporte são variados. O sócio de uma gestora que preferiu não se identificar afirma que uma das formas de atuar no setor imobiliário é fornecendo financiamento para incorporadoras que iriam contratar o crédito com bancos, o chamado plano-empresário, mas que não atingiram o gatilho mínimo de vendas para fazer isso.
Segundo ele, há empresas com dificuldade para pagar seus financiamentos, mas não é uma situação disseminada no mercado – ao contrário do que acontece no agronegócio, pontua, com a quebra no preço das commodities. “O mercado imobiliário é muito mais maduro em termos de garantias e de execução”, diz.
Incorporadoras de pequeno e médio porte, que não tenham grandes diferenciais para venda, são as que têm menos acesso a capital, afirma o gestor. Ainda assim, o mercado continua líquido, de acordo com ele, mas com taxas mais caras.
Em alguns casos, o histórico de companhias têm atrapalhado o acesso ao crédito. “Se tem a imagem arranhada com o consumidor final, não queremos estar perto, porque traz risco para as vendas, de não conseguir vender na velocidade ou valor que queria”, afirma Leonardo Rigobello, sócio da Cartesia Capital.
A própria Cartesia financiou lançamentos da incorporadora de capital aberto Viver, após o encerramento da recuperação judicial da empresa. Rigobello afirma que a gestora entendeu que não havia problemas com a imagem da empresa para os clientes, e que os projetos valiam a pena. “Fizemos os financiamentos e foi um sucesso”, diz.
Mesmo com as taxas mais altas do mercado de capitais, há quem afirme preferir esse modelo de financiamento. A incorporadora B.Fabbriani, que lança principalmente em Itapema (SC), está expandindo seus projetos para outras onze cidades e sempre construiu com capital próprio ou com recurso do mercado de capitais, segundo Paulo Fabbriani, membro do conselho de administração da companhia. “É um pouco mais caro, mas é mais flexível, e se acontecer alguma coisa, falo diretamente com quem resolve”, afirma.
Seu filho, Bruno Fabbriani, CEO da incorporadora, ressalta que as gestoras costumam oferecer uma solução personalizada para cada projeto, enquanto com os bancos, é preciso se adaptar ao produto oferecido.
Mesmo assim, tanto os Fabbriani quanto Rigobello ressaltam que a relação entre mercado de capitais e incorporadoras ainda precisa amadurecer mais. “Conversamos com assets toda semana e vemos que muita gente não sabe o que está fazendo”, diz Bruno.
Rigobello diz que, para entrar em uma operação, a Cartesia precisa sempre estar disposta a bancar todo o custo da obra, ainda que a incorporadora peça menos, já que há risco de que esse incorporador não consiga o recurso que falta. “Ele acredita que vai vender no meio do caminho ou que outro banco vai vir financiar, mas aí trava a obra e você fica parado com ele”, diz.
Em casos assim, as gestoras precisam ter o recurso e a expertise para terminar o empreendimento, para não “dar um tiro no pé”, como afirma o sócio da gestora que não quis se identificar. “A garantia não está toda constituída, porque um apartamento pela metade vale 10% de um apartamento”, diz.
Procuradas, Ekko, São José e João Fortes não retornaram o contato do Valor até o fechamento desta reportagem.
Fonte: Valor
Por: Fernanda Guimarães e Ana Luiza Tieghi