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Fundos têm R$ 21 bi em caixa para comprar participações em empresas

Gestoras de private equity estão com dinheiro disponível para investir no Brasil, o que deve colocá-las entre os protagonistas em M&A neste ano

Leonardo Cabral: “Muitos fundos estão passando para a segunda fase de processos de M&A” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Os fundos que compram participação em empresas, considerando os que investem em empresas mais maduras e em startups, estão com dinheiro em caixa e devem marcar presença entre os protagonistas nas transações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) no Brasil neste ano. Depois de um período em que estiveram mais comedidas, as gestoras que atuam localmente têm R$ 20,94 bilhões para investir em empresas brasileiras. O volume é 20% maior que o de um ano atrás, conforme levantamento feito pela Spectra, a pedido do Valor.

No jargão utilizado pelas gestoras, o capital comprometido e não investido é conhecido como “dry powder” (pó seco, em tradução livre). E ele cresceu no mundo todo em um período em que investidores ficaram mais arredios diante de altas taxas de juros globais e de dúvidas quanto ao crescimento global. O cenário incerto levou os fundos a colocar em compasso de espera muitas transações, e como consequência sobrou mais dinheiro não investido. A aposta é que a direção mudará em 2024.

Neste ano, o private equity americano Advent fez uma das principais aquisições da indústria ao levar o controle da companhia de cosméticos Skala. Os valores não foram divulgados, em um processo que foi bastante competitivo e também teve investidores estratégicos na disputa, segundo fontes. Outra importante transação foi a compra de uma fatia na empresa de educação Salta pelas gestoras Atmos, Mission e Warburg Pincus. Já a canadense Brookfield aumentou sua participação na empresa de logística VLI. Na semana passada, houve um novo movimento do Advent, que anunciou aporte na rede de educação básica Inspira.

 Segundo fontes ligadas ao setor consultadas pelo Valor, uma questão deve ser levada em consideração: existe uma diferença de capital disponível para investimento entre os fundos que atuam no Brasil. Os estrangeiros e os grandes fundos regionais estão capitalizados e com mais bala na agulha para buscar investimentos. Já os regionais menores, que não conseguiram aproveitar o período de maior liquidez do mercado para vender ativos e, com isso, retornar capital aos investidores, estão agora com menos recursos. Estes precisariam primeiro vender ativos, para depois engatar novas captações juntos aos investidores.

Apesar dessa assimetria, um maior apetite vem sendo notado neste ano. O responsável pelo banco de investimento do Santander no Brasil, Leonardo Cabral, confirma que o nível de interesse por parte dos fundos de private equity cresceu, o que deve se refletir numa maior participação nas transações de M&A. Do lado dos estrangeiros, segundo o executivo, o tamanho da empresa alvo é importante e tem um fator analisado por essas gestoras.

Ainda segundo o executivo do Santander, a maior visibilidade sobre a porta de saída para os investimentos também tem pesado favoravelmente. Isso porque existe para este ano uma expectativa de retomada do mercado de ações no Brasil, após dois anos de deserto para estreias na bolsa brasileira. “O ‘dry powder’ desses fundos é significativo”, afirma.

 Dentre os fundos locais, lembra Cabral, houve capitalização no período pré-covid e ao longo da pandemia, mas, apesar do dinheiro em caixa, os investimentos não andaram no mesmo ritmo, algo que agora deve começar a destravar.

 O ajuste no mercado de crédito, com os juros caindo no país, também tem ajudado. Bruno Fontana, responsável pela área que cuida dos fundos de private equity no banco espanhol, afirma que, além do ambiente macro e de melhores expectativas para o mercado de capitais, o fator crédito tem impulsionado o apetite das gestores. Se antes os bancos estavam mais restritivos, hoje o cenário é de mais conforto na hora de conceder empréstimos. Com isso, uma das pontas que estava em aberto tem se fechado, e deve contribuir para uma maior presença dos private equities nas fusões e aquisições. “Muitos fundos estão passando para a segunda fase de processos de M&A”, diz.

 Mais caixa também é consequência de um momento em que segurar os gastos foi necessário. O sócio da Spectra, Ricardo Kanitz, afirma que muito do ‘dry powder’ reflete um momento em que os fundos de venture capital, que são aqueles que investem em startups, seguraram capital quando os juros subiram e a liquidez secou, pressionando as empresas em crescimento. “Agora, o que estamos vendo é uma volta à normalidade.”

Henrique Muramoto, que comanda o escritório da Warburg Pincus no Brasil, afirma que, na gestora, o ano passado já foi positivo em termos de desembolsos, com aportes nas empresas Scanntech, Jusbrasil e Alper. Para ele, 2024 será um ano de continuidade. “Queremos manter a consistência, não vejo nada mudando”, diz.

Uma fonte que preferiu falar sob a condição de anonimato afirma haver um ponto que ainda pesa contra os fundos que precisam vender ativos neste ano, que é o fato de que algumas empresas que estão no portfólio dos private equity no Brasil não têm o porte esperado para recorrer a uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) quando o mercado local reabrir. É consenso que, num primeiro momento, apenas as grandes companhias conseguirão emplacar esse tipo de operação.

Priscila Rodrigues, presidente da Abvcap, associação que reúne os fundos de private equity e uma das principais sócias da gestora Crescera, ressalta que é natural que o capital disponível das gestoras aumente depois de um período mais calmo em termos de investimento. Nos últimos dois anos, os gestores pararam para analisar os efeitos nas empresas no pós-pandemia. No Brasil, lembra a executiva, houve ainda a mudança de governo, algo que no geral impõe um período em que os investidores tentam entender os rumos da política econômica.

 A percepção, segundo Rodrigues, é que agora há mais clareza no horizonte e que os fundos estão olhando para alocação de capital. “Mas é como um trem, quando acelera demora para pegar ritmo.”

Os processos que começam agora podem levar de seis a 12 meses entre as primeiras análises, o processo de diligência e as assinaturas. “A indústria [de private equity] tem um papel importante no M&A e para ajudar as empresas a ir a mercado. É um papel fundamental para o crescimento econômico e é importante que os fundos aloquem [recursos]. E cada vez mais se busca fazer novas alocações”, afirma.

 A atuação também tem sido notada em processos de desinvestimentos. O responsável pelo banco de investimento do UBS BB, Daniel Bassan, destaca que fundos de private equity não têm estado mais presentes apenas na ponta compradora nos M&A, mas também na vendedora, com empresas maduras nos portfólios à espera de desinvestimento. “Muitas das coisas que temos o pipeline estamos conversando com private equity”, diz.

 Para a advogada da área de M&A do escritório Trench Rossi Watanabe, Silvia Bernardino, outro fator que pode puxar um movimento maior dos fundos é a própria pressão dos investidores. “O cenário macroeconômico e de incerteza colocou os gestores de fundos em uma posição de ‘wait and see’ [esperar para ver] no ano passado, o que levou a um mercado de operações desaquecido e ao acúmulo crescente de ‘dry powder’. Mas há, por outro lado, expectativa e pressão dos investidores, especialmente institucionais, que comprometeram seus recursos nos fundos para financiar operações de aquisições e ainda não obtiveram o retorno desses aportes”, diz.

Fonte: Valor
Por: Fernanda Guimarães

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