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OPINIÃO: A ingênua compulsão por profissionalização nas empresas familiares

"A fórmula de substituir pessoas do negócio por pessoas de negócio nem sempre funciona", diz especialista em marcas e gestão

— Foto: Pixabay

Essa é uma história que vive acontecendo em algumas empresas e, talvez, vamos conviver com ela por mais tempo. Empresas de gestão familiar de primeira geração ou gerações seguintes crescem, se expandem, ganham posições importantes em seus mercados. Um belo dia, porém, alguém na gestão da empresa ou por orientação de algum consultor chega à conclusão de que é hora de “profissionalizar” a empresa para que ela salte vários patamares de mercado.

O que fazem, então? Normalmente, a fórmula é esta: substituem pessoas do negócio por pessoas de negócio. Mas há quem resista bravamente: “Que bobagem é essa? Como profissionalizar a empresa? E o que nós fizemos até hoje para chegar aonde estamos? Não é uma demonstração de profissionalismo?” A essa pessoa são oferecidas as usuais alternativas: sair ou aceitar.

Convenhamos, empresas familiares são movidas por algo maior do que os drivers habituais das empresas de capital aberto ou das sociedades onde as famílias não têm mais interferência na sua condução. Algo que as pessoas do negócio conhecem e têm no sangue muito mais do que qualquer pessoa de negócio. Trocar um pelo outro é, como na fábula do Esopo, sacrificar a galinha dos ovos de ouro. Quantas e quantas empresas familiares, de algumas gerações, eu tenho visto darem esse passo e perceberem, tardiamente, que não funcionou. E novas pessoas de negócio são recrutadas…

Organizações com gestão familiar integram muito bem duas forças complementares. A primeira é como uma força centrífuga, aquela que empurra a empresa para fora, em direção à conquista do mercado e dos resultados essenciais ao seu desenvolvimento.

A segunda, no entanto, é muito mais intensa nas organizações familiares: a força centrípeta. Ela tem um caráter nuclear e zela pela integração das convicções familiares, que têm conduzido a organização. Os churrascos, as comemorações, os encontros periódicos fora do ambiente corporativo envolvendo pais, mães, filhos, tios, têm um papel que as clássicas reuniões de board nunca serão capazes de reproduzir. Quantas vezes já não ouvimos frases como essa em plena segunda-feira: “nós refletimos durante o almoço deste fim de semana e estamos decididos a…”

A ingênua compulsão por profissionalização de empresas familiares é algo bem parecido ao caso da família de camponeses que um belo dia se deu conta de que uma das suas galinhas botava ovos de ouro. Eles não entendiam o porquê, mas estava lá a preciosidade sob suas asas. Perceberam que a cada novo dia, mais um ovo era posto, como se ela fosse um estoque de riqueza. Viram ali se descortinar um futuro de riqueza. O que fazer para apressar a chegada da vida de opulência? Simples: matamos a galinha e extraímos dela todos os ovos entesourados lá dentro. Eis que, sacrificado o animal, se deram conta de que havia apenas um ovo, o da produção diária da galinha. Tudo que eles teriam tido era um crescimento orgânico, planejado, contínuo e projetável com a galinha viva. E a vida afluente que esperaria por eles em algum tempo. Adeus galinha querida, adeus novos ovos, adeus futuro dourado.

Bruna Tokunaga Dias, partner da Cambridge Family Enterprise Group, está concentrada nesse universo de empresas familiares e tem nos trazido ideias valiosas. “Nos últimos anos, tenho trabalhado com famílias empresárias em diferentes portes, gerações e segmentos. Famílias empresárias longevas trataram, ao longo de muitos anos, de cuidar de três aspectos principalmente: continuaram crescendo seus ativos, foram intencionais na construção de uma visão de futuro comum e cultivaram talentos – familiares e não familiares.” É no terceiro ponto que reside o dilema: qual é o papel da família, dos sucessores e dos sucedidos?

Dia desses uma pessoa da quarta geração de uma família empresária mencionou que não é herdeira, ela se denomina “perpetuadora de legado”. Tenho tido o privilégio de atender empresas de gestão familiar, em diversas áreas de negócio. Há muito tempo conheço a Química Amparo, que desenvolve a linha de produtos Ypê e sinto como os valores e a cultura da família Beira têm se preservado ao longo das décadas, com invejáveis resultados de mercado. As famílias à frente da Aços Cearense e da Adubos Real com quem também convivo comprovam a mesma tese.

O êxito do negócio e a integração familiar fazem parte de um mesmo destino. O ambiente do negócio familiar pode, muitas vezes, não ser um paraíso. E para isso, há muitos remédios que podem corrigir o rumo da organização, para que ela continue a botar ovos de ouro, como nos alertou Esopo. Simplista mesmo é substituir quem entende do negócio por quem entende de negócio.

Artigo recente do Valor (22/11/2024), “Como nossos pais”, reforça o que penso. “Há quem decida trabalhar em empresas familiares e nunca se livre da alcunha de ‘filho do dono’ ou de ‘filha do dono’. No entanto, muitas vezes a desconfiança não se justifica. Existem herdeiros que ampliam e revitalizam os negócios da família, contribuindo para boa parte dos resultados”. E o artigo enumera muitos casos que ilustram isso.

Neste mundo da “modernidade líquida” (Zygmunt Bauman), o grande risco é abrir a barriga da coitadinha para, precipitadamente, turbinar a fluidez natural e orgânica da vida e dos negócios.

*Jaime Troiano é fundador da consultoria Troiano Branding; engenheiro químico e sociólogo de formação e autor de quatro livros sobre gestão de marcas e comportamento de consumidor

Fonte: Pipeline
Por:  Jaime Troiano

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